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portugal dos pequeninos

Um blog de João Gonçalves MENU

LOUVOR E SIMPLIFICAÇÃO DE UM GENERAL

João Gonçalves 11 Abr 16

 

1. A dada altura acompanhei um ministro com quem trabalhava a uma comissão parlamentar em que a interlocutora do Bloco era a ainda não tão embotada Catarina Martins. Foi a primeira vez que dei por ela: insolente e regateira. Depois aprimorou-se como chefe da tribo e dona até de ministros. Agora quer ouvir um General do Exército português presumivelmente com a insolência e a regateirice exacerbadas e a complacência de meia dúzia de bananas de outros partidos. Quem nasceu para lagartixa nunca chega a jacaré.

2. Um mês de Marcelo: 18 valores. Só não tem 19 por ter aceitado a demissão do Chefe de Estado-Maior do Exército sem pestanejar.

3. João Soares sai por causa de umas bofetadas retóricas e porque o Bloco só permite a retórica moralista das suas senhoras. Um general prestigiado sai porque não percebe nada de "afectos" e de gatinhos. Sempre o triunfo dos porcos.

4. (...) O pedido de demissão do chefe de Estado-Maior do Exército, General Carlos Jerónimo, merece outra atenção. Desde o fim do serviço militar obrigatório por razões "correctas", comuns à Esquerda e à Direita, perdeu-se o "sentido" das Forças Armadas enquanto elemento estratégico de coesão nacional e social. O episódio "Colégio Militar", que terá estado na origem na demissão de Jerónimo, é elucidativo desta cedência progressiva dos responsáveis políticos à ditadura da "superioridade moral" das elites radicais e comunicacionais. Entre a "vociferante matilha do espectáculo", referenciada por Sloterdijk, e a salvaguarda de modelos institucionais estáveis por natureza e dever, o Poder Político já há muito que não hesita. Lê-se superficialmente uma reportagem online mas conclui-se logo que ali há "discriminação", a palavra mágica para qualquer oficiante da "moderna" inquisição. Lamentavelmente o ministro da Defesa foi o primeiro a cair na armadilha das "vanguardas": preferiu a via pública para vexar a hierarquia militar. Logo secundado pelo comandante supremo das Forças Armadas, e presidente da República, que aparentemente não encontrou motivos para não aceitar imediatamente o pedido de demissão do chefe de Estado-Maior do Exército. Não é "popular" falar do Colégio Militar, das Forças Armadas ou usar figuras de estilo como "bofetadas" ou "bengaladas" no contexto meloso e hipócrita da nossa sociedade actual. É mais fácil fazer proselitismo, o que nunca foi o meu género. Na mensagem de despedida que enviou aos seus militares, Carlos Jerónimo acabou por dar uma bofetada de luva branca a quem a merecia. Já ninguém a tira. (Jornal de Notícias, 11.4.2016)

SIMPLIFICAÇÃO DO M(IN)ISTÉRIO DA CULTURA

João Gonçalves 11 Abr 16

 

1. Há quem, inocentemente, julgue que o ministério da cultura é a "cultura". Não é. É, à semelhança dos outros ministérios, uma mercearia política que distribui dinheiro (quase nenhum) por equipamentos referenciados como culturais. Depois, consoante o titular saiba minimamente o que está a fazer, essa distribuição deve ser calibrada com uma coisa chamada mecenato ou junção de privados a equipamentos e actividades culturais porque o dinheiro público é finito. Finalmente a distribuição pressupõe pelo menos uma ou duas ideias sólidas e fundamentadas do que se deve fazer e, muito especialmente, do que não se deve fazer. Por exemplo, mais preservação do património material e imaterial ou mais artes ditas performativas, estatais ou "independentes"? Se há área onde a "independência" é curta é esta. Se há país onde existe uma cultura, como aliás uma literatura assim, pequena e irrelevante por muito que gostemos dela, é o nosso. Os chicos-espertos da "cultura" sabem isto e tentam desde sempre apropriar-se dela e do seu putativo ministério. Eles são os "donos" eternos da cultura e os ministros ou secretários de Estado (incluindo os das finanças e da economia) só existem para os servir. Preferem um botão de rosa na Ajuda a alguém que tenha a sua opção política (e financeira) para o sector (que é comum a todas as opções políticas do governo ou então não é nada). O último que intuiu isto tudo, e não mistificou, foi Manuel Maria Carrilho. Percebo que seja difícil encontrar alguém à altura dele

2. O embaixador Castro Mendes sucede a João Soares. Não vão faltar os panegíricos. O homem é ficcionista e poeta pelo que pelo menos os seus editores não lhe irão falhar. Nesta matéria nada digo porque nunca o li. Lembro-me de ter passado pela presidência Eanes e de entretanto se ter tornado um compagnon de route do PS "certo". Estava na Índia em 2010 quando o seu amigo Luís Amado era MNE. Desejava Paris e a remoção violenta de Manuel Maria Carrilho da UNESCO pela mão de Sócrates (Amado não contava) abriu-lhe as portas da cidade que ele rondava porventura farto do mau cheiro. Ironicamente vem agora, de novo, ocupar um lugar que já foi de Carrilho. Nunca há uma segunda oportunidade para causar uma primeira boa impressão.

3. Já estão em curso as costumeiras oferendas de alfinetes de peito ao novo MC. Em geral começam por "um homem de cultura, um magnífico poeta". O Público é bem capaz de acometer um suplemento ou um caderno especial com 27 páginas. E um par de bofetadas nestas lambisgóias?

4. No epitáfio de João Soares, o dr. Costa inscreveu o admirável vereador da cultura que ele foi em Lisboa. Passou, como é seu timbre, por cima da circunstância de Soares ter sido presidente da CML bem antes dele e, salvo erro, ter acumulado o pelouro da cultura. Agora o dr. Costa foi buscar Miguel Honrado, da vasta tribo da cultura da Câmara costista, para SE do sr. embaixador Mendes. Nunca votei em Soares em Lisboa mas não sou propriamente parvo. O sr. embaixador fica à vontade para continuar a versejar.

Marcelo

João Gonçalves 14 Mar 16

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Numa carta de Novembro de 1969, enviada de Moçambique a Marcello Caetano, Baltazar Rebelo de Sousa fala às tantas do seu filho mais velho. "O Marcelo Nuno é, na verdade, uma boa cabeça - e, nos infelizmente curtos contactos que com ele tenho, "actualiza-me" quanto ao pensamento da sua geração e até quanto aos sistemas de ideias que vão tendo voga". Marcelo Nuno tinha apenas vinte anos, todavia o pai resumiu perfeitamente o futuro presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa: uma boa cabeça, sem dúvida das mais brilhantes e estimulantes da sua geração, "racionalizada" pela história e disponível para a contingência. Marcelo apresentou-se candidato ao país praticamente sem um programa eleitoral escrito, ou um "manifesto", como era costume. É certo que existiram dois ou três discursos iniciais que o substituíram, mas o essencial que Marcelo procurou transmitir foi ele próprio. E a genuinidade não o traiu. Pelo contrário, o grande comunicador solitário intuiu o que o "povo" queria e, sobretudo, o que não queria, depois da tagarelice infindável do último trimestre de 2015. Chegou à chefia do Estado sem dever nada a ninguém e de mãos inteiramente livres. Conhece o regime por dentro e por fora, o que faz dele presentemente o homem político mais bem preparado para o cargo que ocupa: os partidos (o objecto da sua dissertação de doutoramento), a chamada "sociedade civil", a complexidade social, económica e cultural do contemporâneo português e mundial, o transe europeu, as pessoas. A realidade vai bater-lhe à porta conforme bateu à dos seus antecessores. O muito mundo que Marcelo adquiriu, nas suas luzes e imperfeições, é a mais-valia para um mandato previsivelmente difícil. O balanço entre o institucional e o informal, a dessacralização do poder sem beliscar a autoridade, a firmeza na liberdade de espírito, o sentido útil do Estado e a preservação da autonomia privada, a defesa intransigente do interesse público aqui e na Europa, são desafios fortes a que, confio, Marcelo Rebelo de Sousa responderá inteligentemente e com ponderação, em linha com o que afirmou no dia da sua tomada de posse. "O presidente da República é o presidente de todos. Sem promessas fáceis, ou programas que se sabe não pode cumprir, mas com determinação constante. Assumindo, em plenitude, os seus poderes e deveres. Sem querer ser mais do que a Constituição permite. Sem aceitar ser menos do que a Constituição impõe. Um servidor da causa pública".

 

Jornal de Notícias, 14.3.2016

Aníbal Cavaco Silva

João Gonçalves 7 Mar 16

 

Estive a observar uma reprodução do retrato oficial do presidente Aníbal Cavaco Silva, da autoria de Carlos Barahona Possollo, que a partir de quarta-feira fica exposto no Museu da Presidência da República. O retratado está de pé contrariamente aos seus antecessores mais próximos, ora demasiado hirtos ora propositadamente desfocados. Assenta a mão esquerda em figurações encadernadas da Constituição da República Portuguesa, de "A riqueza das nações", de Adam Smith e de outros dois exemplares maciços. Emergem folhas manuscritas e marcadores nos livros. Na mão direita, o presidente exibe uma caneta de tinta permanente. Este retrato oficial sugere uma observação de Gombrich sobre arte figurativa e o papel de quem "vê": quem observa vê em regra o que já sabia. De facto, Possollo conseguiu mostrar-nos o que já sabíamos sobre o retratado enquanto presidente da República. Cavaco Silva foi o leitor mais "formalista" da Constituição e o menos "presidencialista" dos chefes de Estado do regime semipresidencial que ela instaurou. Sem ser jurista de formação, ateve-se o mais que pôde à interpretação literal da coisa. Como se viu, por exemplo, aquando de uma adequada defesa dos poderes presidenciais a propósito de uma deliberação do Parlamento Regional dos Açores. Deu importância ao poder da palavra presidencial embora algumas vezes essa "palavra" o tivesse traído, menos quando abordou a economia e o social do que a política propriamente dita. Confio que as "memórias" que se anunciam destes dez anos permitirão esclarecer muito do não dito dessa "palavra". Cavaco preferiu uma magistratura reservada e algo afastada das pessoas. Os seus "roteiros" sinalizaram instituições bem-sucedidas, rumos frutuosos, temáticas presentes e futuras mas ficou a faltar-lhes alguma "humanidade" e ressonância popular. Neste período raramente emergiu o homem das maiorias absolutas dos anos 90, o que falava directamente à nação por cima de caciques rapaces ou de cortesãos autocomplacentes e menos atentos à eficácia do desempenho presidencial. Não "rompeu" nem "consensualizou" tanto quanto porventura teria preferido o que não dependeu exclusivamente dele. Tal significa que não lhe devem ser debitadas as falhas dos sucessivos governos, desde aquele que encontrou em 2006 até ao derradeiro empossado em Dezembro último. Indisputavelmente rigoroso, Aníbal Cavaco Silva fica para a história política como o estadista persistente, sério, exigente e ponderado do retrato oficial. Não é pouco.

 

Jornal de Notícias, 7.3.2016

 

Aníbal Cavaco Silva - 1

João Gonçalves 2 Mar 16

 

A semana e meia de deixar o Palácio de Belém, e numa altura em que "parece bem" ignorá-lo ou diminui-lo, entendo que devo a mim mesmo umas palavras sobre Aníbal Cavaco Silva. Quando foi ministro das Finanças e do Plano de Sá Carneiro, as suas funções não me entusiasmavam especialmente. Aos 20 anos interessava-me a política pura e dura e a ruptura democrática introduzida pela AD de 1979 que os Reformadores, onde eu estava, apoiaram. Cavaco só entrou na minha paisagem quando tomou conta do PSD na Primavera de 1985. Não ignorava as suas desconfianças públicas e partidárias relativamente a Balsemão que, naquele ano, se sublimaram sobretudo através da "corrente" lisboeta Nova Esperança (de Marcelo, S. Lopes, D. Barroso, J. M. Júdice e, imagine-se, Helena Roseta) que desaguou no célebre congresso da Figueira da Foz. O PSD dessa altura seguia Mário Soares no Bloco Central e Cavaco vinha para desfazer esse "consenso" mole e impor uma agenda própria nas presidenciais. Ganhou a primeira parte e perdeu a segunda, o que, paradoxalmente, ajudou a criar o lastro para a sua primeira maioria absoluta. Depois da Figueira, Cavaco emergiu com uma autoridade indisputável sobre o partido. E o poder democrático foi determinante para afirmar por dez anos a sua autoridade no país a que sempre se dirigiu sem intermediários e em nome, cito-o, de uma "imagem de competência, rigor e determinação". Cavaco passou a definir os "consensos": não eram os "consensos" que o definiam. As "elites" dividiram-se sempre entre as que fingiam tolerá-lo e as que lhe devotavam uma espécie de temor reverencial. A "burguesia" democrática, educada no republicanismo torpe da 1.ª República e no "antifascismo" de salão ou de rua, nunca o suportou. Aos "próximos" nunca permitiu uma proximidade que ultrapassasse a sua estrita necessidade deles. Aliás, quando, em Janeiro de 1995, quebrou um famoso "tabu" estava farto deles. Cavaco aprendera a ser um dirigente político capaz que transformara a timidez natural em força e intimidação. Em suma, mandava e o país apreciava que ele mandasse. Até nas presidenciais em que Sampaio ficou presidente, Cavaco obteve um resultado que, fosse outra a eleição, lhe garantiria uma terceira maioria absoluta. Esperou então dez anos, paciente e metodicamente, pela próxima. Qual foi o "segredo"? Parafraseando V. Pulido Valente, Cavaco sempre soube o que quis enquanto os seus inimigos e adversários apenas sabiam que não queriam Cavaco. Nunca chegou.

 

Jornal de Notícias, 29.2.2016

Ao lado de Carrilho

João Gonçalves 23 Fev 16

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Tenho evitado escrever sobre coisas que não me dizem respeito. Ou melhor, sobre coisas que não me dizem respeito mas que envolvem uma pessoa que respeito. Enquanto Manuel Maria Carrilho desempenhou funções governamentais, entre 1995 e 2000, acompanhei de longe a sua actividade. Nessa altura ainda era do PSD e desagradava-me profundamente a forma altiva como o ministro, em intervenções públicas, criticava o então presidente do partido, Marcelo Rebelo de Sousa. Todavia percebi que a "aliança" subtil entre dois homens cultos e perspicazes (Carrilho e Sousa Franco nas finanças) estava a mudar a relação da cultura "institucionalizada", através de um ministério e dos seus equipamentos, com a sociedade e vice-versa. Carrilho sabia mais dos orçamentos desses equipamentos e da sua gestão do que a maior parte dos seus directores-gerais. Dei bem por isso quando, menos de dois anos após a sua demissão, fui para a direcção do São Carlos. Passei, pois, a ler Carrilho retrospectivamente e a escutá-lo com outra atenção. Apoiei-o na malograda candidatura à Câmara de Lisboa de 2005. Depois disso, já Carrilho era vice-presidente da bancada do PS no parlamento, ficámos amigos. Não é no entanto por essa circunstância, a da amizade, mas apesar dela que o acompanho nestas suas considerações. Manuel Maria Carrilho é um homem frontal, claro, bem preparado, defensor do interesse público, conhecedor, pela sua formação, das implicações sociais, culturais e mediáticas do Direito, sem tribos nem donos. Ora isso num país em que a deliquescência, o lambe-botismo, a moleza, o comadrio cúmplice e a estupidez "por simpatia" forjam as regras de jogo, torna-o insuportável para os "costumes" e respectivos beatos e beatas. Carrilho foi sempre um dos alvos preferidos dessa má-fé em parte por ser como é. Sou brutal com os meus amigos, sobretudo os mais íntimos, o que me tem valido uma larga debandada de interlocutores que só apreciam festas, favores e pancadinhas nas costas. Nessa brutalidade incluo o cuidado em não os deixar cair quando acredito firmemente neles. O meu lado é, como deve ser, ao lado de Carrilho.

Centenário de Vergílio Ferreira

João Gonçalves 27 Jan 16

 

 

Na próxima quinta-feira, dia 28, completam-se cem anos sobre o nascimento de Vergílio Ferreira. Não sou dado a comemorações literárias, ou outras, mas no panorama frouxo da chamada literatura portuguesa contemporânea não é possível ignorar a altura do autor de "Manhã submersa". Vergílio Ferreira desceu de Melo, em Gouveia, para a cidade e, contrariamente ao venerado Torga, tornou-se num dos escritores mais cosmopolitas do século passado. Passou rapidamente pelo neo-realismo - "Vagão J", por exemplo - do qual se separou com a firmeza e a substância intelectuais que o caracterizavam. Polemizou - uma coisa de que a literatice descendente e superficial abdicou até por confundir isso com mais ou menos colunas analfabetas e amiguistas nos jornais - contra o domínio cultural "neo-realeiro" nos anos de chumbo das oposições e da "situação" salazarista. Polemizou a seguir com a "modernidade" modista sem nunca perder o pé no tempo até porque tinha uma formação filosófica iconoclasta, muito superior a muitos de papel passado como "ensaístas" e "filósofos". A sua obra é variada e não julgo que se possa afirmar que, nele, o "romance" seja superior ao ensaio ou ao diarismo e vice-versa. À semelhança de Jorge de Sena, é porventura dos mais completos e complexos intelectuais portugueses. Ninguém, com dois dedos de testa, pode ficar indiferente a uma página de Vergílio Ferreira independentemente do modo escolhido por ele para a escrever. Pelo contrário, é indiferente ler qualquer página de muita produção dita literária actual por ser tão mediocremente indistinta. Aliás, ele costumava dizer que não era tão dado a enredos quanto ao "ambiente" que poderia entrever-se da forma "romance" ou outra. O que se percebe lendo "Aparição", "Nítido nulo", "Para sempre", "Carta ao futuro" (onde se encontra a mais forte redescrição literária da cidade de Évora), as apresentações de Malraux, Sartre e Foucault e os primeiros três ou quatro volumes da "Conta-corrente", a melhor súmula ironista da "obra completa". Como dizia a mulher Regina, tinha uma deliciosa língua de prata que lhe fazia correr o risco de morrer envenenado se a mordesse. Não foi assim. Morreu a escrever e persiste autor maior de uma língua não deturpada pelo criminoso "acordês" de 1990. "Que mais há na tua vida que o teu canto, a angústia do teu grito contra os céus desabitados?".

 

Jornal de Notícias, 25.1.2016

Presidente Marcelo

João Gonçalves 25 Jan 16

 

Já devem ter sido escritas e proferidas todas as palavras acerca do desfecho do acto eleitoral do dia de ontem. As que faltam - mesmo as que não faltam mas cujos produtores precisam ler-se e ouvir-se a si próprios - hão-de aparecer. Não concordo, por exemplo, com o breve escrito de Vasco Pulido Valente no Público salvo quanto à Esquerda e à Direita: a primeira saiu desfeita e a segunda está paralisada. De resto, não creio que o Presidente-eleito seja neutro. É livre e independente mas não será neutro. Todos foram mais ou menos livres e independentes (Cavaco acabou por ser o mais tolhido) mas nenhum foi neutro. Marcelo é especialmente livre e independente porque é mesmo assim. Dito isto, o "balanço" de dia 24 é simples. A frase é de VPV a propósito de um outro Presidente em que coincidimos no apoio. Queríamos os dois a mesma coisa: ele queria ganhar e eu queria que ele ganhasse. Ponto final, parágrafo.

 

Foto: Mário Cruz/EPA/JN

 

A culpa é dele?

João Gonçalves 13 Jan 16

 

No início da campanha oficial para a eleição de 24 de Janeiro, fomos surpreendidos pela retirada, por excesso e não por defeito, do PS dessa campanha. Pela primeira vez na história do partido, o secretário-geral do segundo maior partido nacional recomendou aos seus militantes e simpatizantes que apoiassem dois candidatos num sufrágio em que, tipicamente, se escolhe uma única pessoa. Aliás, fora o Bloco, o PC, o MRPP, o Livre (ainda há?) e a reformada Gama da Apre - que foi mais longe e sugeriu pau no jornalista Rodrigues dos Santos por não se ter curvado respeitosamente diante do candidato que ela apoia -, os principais partidos apenas "recomendam" o voto nesta eleição. Mas no caso do PS, mesmo com uma antiga presidente do partido no terreno, António Costa preferiu chamar ao acto as "primárias da Esquerda", como se as legislativas (e a questão governativa) ainda não estivessem encerradas. Ou como se houvesse um átomo de comparação com eleições em que os protagonistas das esquerdas, a democrática e as outras, eram respectivamente Soares, Zenha e Pintasilgo. Mesmo assim, o PS enquanto tal esteve sempre com um dos seus nas eleições presidenciais: quatro vezes com Soares, duas com Sampaio, uma com Alegre e, no processo de transição e de consolidação do regime democrático, com Eanes. Nunca esteve com dois, muito menos com o artificialismo de A. Nóvoa, que emergiu na política nacional pela mão de meia dúzia de "elites", há menos de meia dúzia de anos, e do actual PR, que lhe ofereceu palco retórico num 10 de Junho. Esse candidato, aliás, apresenta-se como o campeão das "causas", com mandatários ridiculamente a brotar por detrás de quarenta sombras, tantas quantas as "causas" que abraça, e de um evangélico "tempo novo" sem a menor substância. Quer estar, como disse no debate com a socialista M. de Belém, em "todos os espaços", o que significa que não compreende a função presidencial, que toma pela gerência de uma imensa colectividade de cultura e recreio. Duvido que, na sua pusilanimidade calculada, o secretário-geral do PS tenha contribuído para atalhar a abstenção, numa disputa débil em que nove pessoas pretextam agitadamente contra uma: Marcelo. Por sinal, a única que recentrou a eleição de 24 de Janeiro nos termos constitucionais, e politicamente adequados, ao sublinhar o papel do próximo chefe de Estado na recuperação plena do modelo semipresidencial tão desbotado pelas últimas práticas. A culpa é dele?

 

Jornal de Notícias de 11.1.2016

Um espectáculo sórdido

João Gonçalves 4 Jan 16

Acompanho atentamente as eleições presidenciais desde as primeiras livres em 1976. Não votei, era menor, mas já votei em 1980. E não só votei como fiz activamente parte da Comissão Nacional para a Recandidatura do Presidente Eanes", a CNARPE. O mesmo aconteceria em 1985-1986 com o Movimento de Apoio Soares à Presidência", o MASP, integrando uma obscura "comissão de juventude" onde conheci, entre outros, Seguro e Costa, e onde quem vinha da "Direita" era especialmente "acarinhado". Aliás, esta terá sido porventura a última grande campanha política para a eleição do presidente da República. A disputa de 1996 entre Sampaio e Cavaco, ganha pelo primeiro, já não teve metade da graça porque não havia mais ninguém. Jerónimo saiu de cena para Sampaio brilhar e o guterrismo, em princípio de carreira auspiciosa, fez o resto. Dez anos depois, Cavaco era o derradeiro candidato "natural". Estive com ele na derrota e na vitória, embora mais em letra de forma do que de outra maneira. Agora subscrevi a candidatura de Marcelo e, durante algumas breves semanas na primavera passada, tentei ajudar Henrique Neto "por uma Nova República" mas não deu. Com isto tudo quero significar estarmos perante as eleições presidenciais mais desinteressantes e politicamente medíocres de que tenho memória. Como se esta infelicidade não fosse suficiente, as televisões e as candidaturas combinaram uns debates improváveis, feitos a correr entre todos, enquanto a campanha não começa oficialmente. O que dará, em apenas quatro dias do novo ano e até ao final do dia de hoje, 14 (catorze) debates: duetos, tercetos, quartetos falhados e um na rádio com os dez magníficos. Ainda faltam vinte e tal e um final, em plena campanha e com todos, em canal aberto nas três generalistas. Salvo o devido respeito, é um mau serviço prestado à dignidade do cargo que esta gente (a maior parte ignora o que é que está a fazer nos boletins de voto num lamentável sinal do estado a que tudo chegou) se propõe exercer e uma ajuda à abstenção que nenhum candidato parece interessado em combater. Evitar as campanhas "tradicionais", que tiveram o seu tempo adequado e imprescindível, não implica este torpe exercício desincentivador de qualquer "esclarecimento" ou virtude cívica. O presidente eleito a 24 de Janeiro vai ter muito que se espremer para recompor as coisas. Desde logo para se recompor deste espectáculo sórdido.

Jornal de Notícias, 4.1.2016

Foto: Marcos Borga

 

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