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portugal dos pequeninos

Um blog de João Gonçalves MENU

DA INFÂMIA

João Gonçalves 12 Ago 09


«Tratava-se de uma nova e mais completa abordagem da vida dos homens vulgares que um dia se cruzaram com as malhas do poder. Infames, porque sem fama, sem reputação, ao contrário, segundo o Mestre, da falsa infâmia de que beneficiam homens de espanto ou de escândalo, como Gilles de Rais ou Sade. "Aparentemente infames, por causa das recordações abomináveis que deixaram, dos crimes que lhe atribuem, do horror respeitoso que inspiraram, são de facto homens da lenda gloriosa, mesmo se as razões dessa reputação são inversas das que fazem ou deveriam fazer a grandeza dos homens. A sua infâmia é apenas uma modalidade da fama universal."»


Do Médio Oriente e afins
Falhou, por manifesta falta de comparência dos leitores (com uma honrosa excepção), a minha "ideia" de celebrar Foucault. O que me leva a perguntar se vale a pena comemorar Foucault, vinte e cinco anos após a sua morte. Maurice Blanchot chamava-lhe «um homem em perigo» e um «solitário». Perigo, enquanto homem Michel Foucault, o "amigo que (anos mais tarde) não me (a Hervé Guibert) salvou a vida". Perigo enquanto filósofo ocupado com o "cuidado de si", a única verdadeira preocupação da filosofia: cura sui ou epimeleïa heautou. Com os "discursos verdadeiros" e "racionais", os logoï : «são eles que nos permitem enfrentar o real.» Homens assim estão permanentemente na sombra da vida e da morte, iluminando-as. Não são, pela natureza deles e pela nossa, comemoráveis. Os cerca de doze anos de cursos (a "história dos sistemas de pensamento") no Collège de France constituem o Foucault essencial. A primeira lição, proferida a 2 de Dezembro de 1970, já introduz o "solitário homem em perigo". Foucault disse aí aos seus alunos que gostaria de se «insinuar subrepticiamente no discurso» que ia proferir naquele dia «e nos que deverei pronunciar aqui talvez durante dez anos.» Foram mais dois. A doença não lhe permitiu muito mais. Depois de escritos alguns dos mais tortuosos (porque geniais) parágrafos da sua (nossa?) filosofia, Foucault largava tudo para entrar perigosamente na "noite do mundo". O Outro, afinal, era um simples outro qualquer, a vida e morte juntas num só enunciado. «O que constitui o valor particular da meditação sobre a morte não é somente que ela antecipa aquilo que a opinião, em geral, representa como a maior das desgraças. Não é somente por permitir que nos convençamos que a morte não é um mal. É que ela oferece a possibilidade de lançar, digamos, por antecipação, um olhar retrospectivo sobre a própria vida.»

FOUCAULT, 25 ANOS APÓS A SUA MORTE

João Gonçalves 25 Jun 09


«O Orientalismo romântico de Foucault», podia muito bem ser o título deste livro, que coloca, a partir de uma perspectiva feminista e de esquerda, questões profundas e particularmente incómodas sobre o pensamento de Foucault e a sua crítica enviesada da modernidade. Sendo um dos autores canónicos do actual pós-modernismo nas Ciências Sociais e Humanas, o assunto é tanto mais curioso quanto Michel Foucault ganhou fama pela sua «filosofia da suspeição» e pela «desconstrução» das grandes narrativas e utopias ocidentais. Ironicamente, Foucault, o «desconstrutor» e «genealogista», afinal também tinha a sua utopia romântica. Qual era? Vejamos os acontecimentos. Com o início da revolução iraniana, Foucault decidiu visitar o Irão para assistir ao desenrolar desta, que foi objecto do seu particular interesse e entusiasmo como intelectual «engagé». Na sua deslocação ao Irão assumiu um papel de jornalista de investigação, funcionando como correspondente especial do jornal italiano «Corriere della sera». Publicou também algumas das suas peças jornalísticas na imprensa francesa, nomeadamente no jornal «Le Monde» e na revista «Nouvel Observateur». Nesses textos, Foucault retratou de forma quase entusiástica o movimento islamista iraniano liderado pelo Ayatollah Ruhollah Khomeini, vendo-o como uma nova forma de «vontade política», perfeitamente unificada, que abria «uma dimensão espiritual na política». Isto, em contraste com as «cruéis, selvagens, egoístas, desonestas e opressivas sociedades» criadas pelo moderno capitalismo liberal. Como realçam Janet Afary e Kevin B. Anderson, uma ilação profunda resulta do episódio iraniano de Foucault e não está apenas relacionada com este pensador. A ilação é particularmente importante para a actualidade e está relacionada com o fenómeno geral do «fundamentalismo religioso», mostrando a existência de um bloqueio intelectual que afecta várias correntes da esquerda política, impedindo uma resposta adequada a este.»

José Pedro Teixeira Fernandes

DO COMENTÁRIO ENQUANTO FICÇÃO

João Gonçalves 24 Jun 09


Dá-me ideia, por alguns comentários já produzidos a propósito de Foucault, que o respeitável público (como se diz no circo) não percebeu o objectivo da coisa. O que não deixa de ser revelador. Uns porque não o percebem, outros porque não o querem perceber e alguns porque reduzem um dos maiores pensadores do século XX à sua vida privada. A dada altura, Foucault interrogou-se sobre se a sua obra não passaria de ficção. Mas depois explicou o que quis dizer com isso. Vá lá, cresçam.
Adenda: A coisa é mais grave do que eu previa embora me ria bastante (para dentro, claro). Não, esta questão da ficção é mesmo do Foucault (há quem tenha dito o mesmo de Heidegger pois o analfabetismo funcional está perfeitamente globalizado). Quanto às alusões ao "Pêndulo" - uma obra de ficção de Umberto Eco - apenas recordo o nome de um físico chamado Léon... Foucault. Parece que saíram todos do piquenique Tony Carreira/António Costa/Zé. Por amor de Deus.

COMO VOCÊS O IMAGINAM

João Gonçalves 23 Jun 09

Ao Foucault. Não se esqueçam do desafio. Os leitores a sério. Não os farsantes. A vida não é só (ou sobretudo) os videirinhos que enchem os posts do Portugal dos Pequeninos. Blanchot escrevia - dele? de Foucault? de nós? - que «ninguém gosta de se reconhecer, estranho, num espelho onde não distingue o seu duplo, mas aquele que gostaria de ter sido.»

COMO VOCÊS O IMAGINAM

João Gonçalves 23 Jun 09


Na próxima quinta-feira, 25 de Junho, passam vinte e cinco anos sobre a morte de Michel Foucault. Reservo para esse dia a minha opinião. Porém, lanço um desafio aos leitores que leram, leiam, conhecem, gostam, odeiam ou outra coisa qualquer Foucault. Enviem para aqui (joaogoncalv@gmail.com) uns "posts" originais devidamente assinados sobre o dito cujo, até amanhã à meia-noite, para serem publicados no dia seguinte. Puxem pelo bestunto que era coisa que sobrava em Foucault. E sempre nos aliviamos "disto" por um dia.

VIGIAR É PUNIR

João Gonçalves 16 Jun 07


Aquando das eleições presidenciais que derrotaram estrondosamente Mário Soares, avisaram-me - o termo é mesmo este - que tinha para aí uns cinquenta olhos em cima do que escrevia. Presumo que esses cinquenta olhos, de lá para cá, terão aumentado exponencialmente. Não sobre mim exactamente, porque não tenho importância alguma, mas sobre aquele país que não se move no sentido pretendido pela moral da eterna vigilância. Foucault era um homem de esquerda mas descreveu muito bem os mais relevantes mecanismos repressivos, sobretudo o mais eficaz deles todos, o discurso. E como a sociedade e o poder sempre desconfiaram da loucura, reprimindo-a. Em Portugal, o discurso é pesado e o olhar é o da serpente. Salazar era um menino de coro. E, afinal, sempre era um senhor ao pé destes pequeninos parvenus.

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