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portugal dos pequeninos

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IDIOTEX

João Gonçalves 23 Jul 09


Parece que alguns dos pseudo-cómicos oficiais do regime "parodiaram" Ricardo Pais (o encenador e antigo director do Teatro S. João do Porto) no Largo do São Carlos, comparando-o a Júlio Dantas. Teriam usado o famoso "manifesto" de Almada Negreiros para "gozar" Pais. Apesar de não entender o cabimento de uma macacada deste género em frente (e organizada) pela OPART que, em má hora, gere o único teatro lírico nacional, penso que atingimos um ponto de abastardamento nacional (basta atentar num 1º ministro que afirma, sem se rir, que ainda está para nascer um 1º ministro capaz de fazer melhor do que ele...) em que qualquer palhaçada dita "cultural" será sempre um mal menor. Sobretudo julgo que, a bem da "avaliação" do "respeitável público", nada deve ser proibido ou excluído. O "público", aliás, gosta de se ver (bem) representado. Mas regressemos a Dantas porque Pais deixou de me interessar há uns anos. O melhor do artigo da Helena Matos no Público nem sequer é a malfadada cronologia do improvável "socratismo" de que os referidos cómicos "idiotex" narram exemplarmente o esplendor. O melhor - por ilustrar o contrário destes tempos de gente que possui todas as qualidades dos cães menos a lealdade - é o que a Helena debita sobre Dantas. Até porque o "pim" de Almada liquidou-o aos olhos da parola intelectualidade indígena. E não merecia.


«Não me interessam muito as razões que levaram estes actores a estabelecer esse paralelo entre Júlio Dantas e Ricardo Pais. O que eu queria mesmo era um pretexto para falar do Dantas e sobretudo desmanchar aquele sorrisinho consensual, género "tão moderninho que eu sou!", que nasce quando o nome do dito Dantas é pronunciado. Durante anos o que conheci de Júlio Dantas foi o que dele escreveu Almada Negreiros. Um trabalho sobre o primeiro filme sonoro português, A Severa, fez-me interessar pela figura do tão ridicularizado Dantas. Não foram as excelentes letras dos fados que me levaram a considerar que talvez o Dantas não fosse apenas o boneco que dele fizera Almada. Foram sim umas cartas. Mais propriamente as cartas que escreveu a um preso de seu nome José Carlos Amador Rebelo. Até ao dia 6 de Fevereiro de 1931, Amador Rebelo era uma figura conhecida nesse meio cultural que anunciava ir revolucionar e organizar o cinema português em moldes modernos. O que o levara a esse mundo foi o seu talento não para o cinema mas sim para arranjar dinheiro. Quando Leitão de Barros avança para a realização do primeiro filme sonoro português, a Sociedade Universal de Super Filmes, produtora da fita, procura Amador Rebelo, que garante boa parte do capital de A Severa. Acontece que desgraçadamente o dinheiro não era de Amador Rebelo mas sim do BNU, onde Amador Rebelo tinha o invejado cargo de inspector-geral e de onde desviara o dinheiro para financiar A Severa. Às onze da noite do dia 6 de Fevereiro de 1931, João Ulrich, então director do BNU, entrou no Torel para apresentar queixa por desfalque contra Amador Rebelo. Desde esse momento a grande preocupação da gente moderna da cultura e do cinema foi desvincular-se desse homem a quem até há uns dias enviavam telegramas pedindo dinheiro para fazerem a sua obra: "A escola Alves Reis, em cuja árvore genealógica entronca José Amador Rebelo, seu jovem e aproveitado discípulo deve ser expropriada e arrasada" - lê-se na revista Cinéfilo escassos dias depois da denúncia do BNU. Amador Rebelo seria preso e julgado. E é aí, na cadeia, que entra o nome de Júlio Dantas, pois, ao contrário de outros, fossem eles cineastas, escritores ou artistas muito mais modernos, revolucionários e tidos como menos oficiosos, Júlio Dantas não se esquece de Amador Rebelo e escreve-lhe para a cadeia procurando encorajá-lo. Certamente efeminado e postiço como lhe chamou Almada, vaidoso e egocêntrico como o descreveu pitorescamente Marcelo Caetano, a verdade é que Júlio Dantas é também o intelectual que desempenhou com qualidade os cargos que teve e o homem que não fez de conta que não conhecia um amigo e que, nos anos 20, se opôs ao grupo moderníssimo de radicais que pretendia retirar duma livraria do Chiado exemplares das Canções de António Botto. Júlio Dantas tem representado convenientemente o papel do intelectual em que literal e historicamente falando é moderno malhar mas a vida (e no caso de Júlio Dantas a própria morte) e a sua teia de compromissos, fraquezas, glórias e princípios é sempre bem mais complexa do que as certezas inscritas nas frases dramaticamente sonoras e frequentemente belas dos manifestos.»

DANTAS OU A CONSPIRAÇÃO DE SILÊNCIO

João Gonçalves 27 Mai 09


Notável "retrato" de Júlio Dantas, um tão injustamente mal compreendido homem de letras que, no dizer de António José Saraiva e Óscar Lopes, escrevia «num estilo de influência queizoziana". Nas suas "Páginas de Memórias" (Portugália Editora, 1968), ao falar de Oscar Wilde, escreve: «relendo mais tarde algumas páginas do De Profundis - livro cruciante e perturbador! -, pensei nos destinos, às vezes tão diferentes, que a intolerância e a maldade humana reservam aos grandes sacrificados da ciência e da beleza.» Se isto aparecesse no Jugular, por exemplo, alguém se ia lembrar do Dantas? O "pim" de Almada liquidou-o aos olhos da parola intelectualidade indígena. Não merecia.

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