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portugal dos pequeninos

Um blog de João Gonçalves MENU

Uma Universidade cosmopolita

João Gonçalves 22 Jun 13

 

Não pertenço ao largo clube pernóstico que costuma tremelicar de emoção patrioteira cada vez que alguém nos distingue, da UNESCO ao festival da eurovisão, passando pelo fatal dr. Barroso na Comissão Europeia. Não me comovi com o fado, apesar da D. Amália, porque à conta disso um batalhão de pindéricos decidiu declarar-se abruptamente "fadista". Executado o prolegómeno, tranquiliza-me manifestar público apreço pela Universidade de Coimbra cuja edificação original data do século XIII. Para além disso, muito do meu curso de Direito na Católica foi ministrado por professores oriundos daquela Universidade. Francisco Lucas Pires, Mário Júlio de Almeida Costa, Carlos Mota Pinto, Antunes Varela, Ferrer Correia ou Castanheira Neves, pelo Direito, ao vivo e a cores, ou Vítor Aguiar e Silva e Aníbal Pinto de Castro, pelas Letras, em livro, bem como, na década passada, Vital Moreira e a sua pós-graduação sobre direitos humanos e democracia, aí estão para confirmar a minha amizade intelectual para com a instituição fundada por D. Dinis. Os produtos da nossa academia, em particular os de Lisboa, sempre alimentaram uma particular acrimónia com Coimbra. Presumo que os de lá façam o mesmo. É claro que não há a menor pachorra para "fitas", "tradições" ou Torgas que, por vezes, incutem os piores instintos separatistas e que dão vontade que o país termine, na prática, aos primeiros quilómetros da A1 no sentido Sul-Norte. Mas a Universidade de Coimbra que me interessa é a cosmopolita que conheci e que a UNESCO celebrou. O resto é facultativo.

Recuperar a pulsão humanista

João Gonçalves 22 Jun 13



«Quando se lê muito, e eu fui feito pela leitura e não pelo estudo - porque nunca verdadeiramente estudei no sentido escolar do termo, e não "fazia os trabalhos de casa" -, aprende-se e forma-se. Aliás, este é o cerne da educação no sentido clássico, hoje tão esquecido, o de aprender para se fazer. O livro de Werner Jaeger sobre a paideia grega era então de leitura obrigatória para qualquer aprendiz de filosofia, e explicava bem essa parte "passiva", interior, aberta às influências e às seduções, quer do pathos, quer do ethos, quer do logos. Essa formação "passiva", a que nos faz, é, pela sua natureza, caótica, depende do "monstro", que alimentamos à força dos livros, e do modo como eles atingem a vida que se tem. Mas uma vez feita, fica lá para sempre. "Passiva", aqui nada tem de negativo, mas de silêncio interior perturbado apenas pelo som da nossa voz íntima falando connosco próprios. Freud sabia o que isso era, Proust também e, lá longe, na sua fantasmática Konigsberg, Kant procurava-a como alicerce para essa "razão prática" que fundamentava tudo. Depois, a uma dada altura, dá-se a volta, e a enorme presunção adâmica que os intelectuais têm fá-los escrever. Escrever, nos anos sessenta, por esta ordem: poemas, "teoria" e romances. Hoje, a ordem está alterada: os poemas estão lá, mas com menos peso, depois ficam as escritas fáceis (e quase sempre débeis) dos blogues e Facebook, e depois romances, romances, romances. Esta ordem das coisas é para mim um mistério, como é que uma pessoa de juízo normal pensa que os pode escrever com facilidade. Nem Agustina, que é uma grande escritora, foi capaz de construir personagens, como faziam Camilo e Eça, quanto mais gente que dificilmente vive para lá da Time Out. Hoje qualquer intelectual moderno, a começar por esses paradigmas da modernidade mediática que são os jornalistas, resolve escrever romances, para aumentar a ocupação de espaço em livrarias que parecem mostruários de uma espécie de papel pintado entre o lânguido e forte com personagens evanescentes na capa. Nesse contexto, eu prefiro o genuíno, as Sandálias de Prata, da Cristina Caras Lindas. (...) Nestes dias do lixo, o desprezo pelo "humano" concreto tornou-se a regra e, de uma ponta a outra do nosso mundo quotidiano, varreu-se a preocupação humanista não só da política como de muitos outros aspectos da nossa vida. A tecnologia é usada, numa sociedade cada vez mais pobre, para criar novas exclusões. Valores civilizacionais como a privacidade e a intimidade são dissolvidos na "facilidade" do Facebook. O universo público mediatizado gera uma cultura de superficialidade e ignorância presumida. Os valores não circulam numa sociedade que vive na moda e na novidade. Todas as mediações, dificilmente construídas pela luta cultural consciente dos homens para viverem sem ser na selva, estão em crise. E a política em democracia perdeu esse sentido de melhoria da vida dos homens comuns, da "felicidade terrestre", na única vida que conta para a democracia, que é a vida na Terra e não a eterna. A demagogia que sacrifica o presente em nome de um futuro construído ao sabor dos interesses desse mesmo presente reconstrói a ideia de que a salvação está outra vez num paraíso celeste, agora prefigurado nos "nossos filhos e nos nossos netos", em nome de quem a vida das pessoas que existem, tenham um dia ou cem anos, é desprezada. Eu sei que são velhas queixas, muitas vezes repetidas. Mas talvez tenha sentido repeti-las para renovar dia a dia, ano a ano, uma pulsão humanista que, se pode não fazer uma vida melhor, pode pelo menos fazer-nos melhores.»

 

José Pacheco Pereira, Público

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